segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ano Novo



    Lá fora a temperatura é baixa, mau grado o cobertor de nuvens que transforma a alba num espectáculo de sombras chinesas recortadas contra o céu no horizonte. O pormenor das coisas perde-se numa mancha pardacenta, azulada, que a vista só a muito custo consegue penetrar e um frio intenso ataca as camadas de roupa com que as pessoas se procuram proteger.
    É a primeira segunda-feira a seguir ao Natal, aquela semana estranha que quem pode aproveita para umas férias fora de época. O comboio segue nem meio cheio, nem meio vazio, com lugares estranhamente desocupados que transmitem aos passageiros habituais uma vaga inquietação que só ao fim de algum tempo se percebe ser causada pela estranheza da falta de um miríade de rostos anónimos a quem a repetição do encontro já deu qualidades e contornos de familiaridade.
    Adivinham-se as ruas a padecerem do mesmo mal, de uma sensação de despojamento e de vacuidade advinda da falta de comparência de muitos ao encontro diário e involuntário por entre a estreiteza dos passeios calcetados que a chuva miudinha depressa torna perigosamente escorregadios. Tudo parece lento, quase suspenso, como se a própria cidade tivesse deixado de respirar, uma apneia momentânea que será quebrada dentro de dias com o regresso das pessoas ao trabalho.
    A carruagem mantém-se mergulhada num silêncio inusitado, numa acalmia pouco usual, num hiato de conversas e dos ruídos surdos e abafados das músicas de discoteca que costumam escapar-se como duendes endiabrados dos auscultadores de leitores de MP3 demasiado potentes. Aqui e ali alguns passageiros dormitam, lêem ou observam a paisagem fantasmagórica que escorre com a chuva ao longo das janelas.
    Dentro de alguns dias a vida respirará fundo como que a ganhar alento para continuar e de repente, antes que haja tempo para nos habituarmos a essa ideia, será tempo de um novo reinício, de um novo ano com os seus desafios, alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, um rol infindável de pequenas e grandes ocorrências que não serão nada mais, afinal de contas, do que as únicas marcas naturais entalhadas no discorrer dos nossos dias.
 Feliz Ano Novo!

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