segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Divertimento naútico

Mal pus os pés na rua miquei logo a cena! O miúdo, que mal tinha idade para grumete, lá seguia rua acima a tentar que a miúda não o deixasse na alheta. Com o trombil virado a bombordo lá ia soltando umas bacoradas gastas, daquelas que até eu já usava quando ainda andava de cueiros, a ver se a garina folgava as escotas e o deixava tentar abordagem, estão a ver ? Nem sequer topava a figura triste que fazia e lá tentava manter-se com bom seguimento.
Mas aquilo só visto!
Na cabeça uma daquelas melenas rasta, mal aduchadas sob o chapéu de basebol a escaparem a sotavento (ai se fosse meu filho: querenava-lhe logo a mioleira no primeiro barbeiro que encontrasse!) e a pala a tapar-lhe a orelha de barlavento. Pendurado do gasganete trazia-me uma daquelas voltas de ouro falso, tão grossa e tão comprida que dava para ancorar à vontadinha um navio de linha ao largo. Na camisola preta ia estampada a branco a focinheira dum gajo qualquer (acho que era daquele janado lá da Jamaica, 'tão a ver? O gajo das baleias, porra!). As calças então nem vos digo, todas caçadinhas para aí a meio do rabo, com a escotilha da ré escancarada a deixar ver de sopetão o porão inteiro. Lá lhe ia valendo naquele apuro a roupa interior senão até o mastro se lhe via!
Para ajudar à festa levava um par daqueles auscultadores modernaços, daqueles que mais parecem um par de bichos de conta nojentos, enfiados nas orelhas, com os fios a servirem de ovéns quase até à cinta. Pela amura de estibordo levava uma daquelas malas East Pack - daquelas da moda que custam uma pipa de massa, cheias de bonecada, topam? - o que cá para mim era de morrer a rir porque o gajo, mesmo que não desse por isso, estava para ali a rumar a Sul!
E então os andantes? Aquilo é que só visto! Uns talegos com umas solas tais que se o gajo se baldasse pela borda fora nem a alma se lhe aproveitava: ia direitinho ao fundo só com o lastro das chancas! Mas lá engraxadinhas isso estavam. Cá para mim o se o gerimu perdesse mais tempo a melhorar a lábia e menos a lustrar as botinas, de certezinha absoluta que dava com melhor derrota. Mas enfim, cada um é como cada qual e a verdade é que o gajo lá seguia com o braço lançado à amura da moçoila que mais parecia um arpéu de abordagem. Mais chegadinho e havia lenha! Salvava a rapariga a defensa em forma de mala a tiracolo.
Mas estou para aqui a falar e a falar do gajo e bem vistas as coisa a miúda também era uma alminha que só visto: contado ninguém acreditava. A garina mal tinha acabado de botar corpo e já parecia sei lá eu o quê. Valha-me Deus!
Para começar levava a proa mais pintada do que a carranca de um navio-escola. A camisola e o casaco iam tão rizados à altura do umbigo que lhe deixavam a barriga todinha à mostra. Se rizasse mais o velame – e que belo par de velas redondas envergava ela - isso é que era cá um espectáculo! Eu cá tratava logo de lhe tentar subir à gávea, ai nanas! Obras vivas não as havia mas e então as obras mortas? Estava ali tudo: amura, bordo e quilha à mãozinha de semear, ou melhor, de colher! Aquilo era cá um espectáculo tal que não havia gajo lastrado que não fizesse uma bordada de propósito, por muito cochado que fosse, para lhe cruzar a esteira! Se não o fizesse era porque era cego. Caramba!
O que vale é o parzinho lá virou de bordo por alturas do cimo da rua e afastou-se do meu rumo, senão quem se metia ao mar era eu, com tramontana ou sem ela e macacos me mordam se não punha o gajo à ginga. E era sorte, então não era!

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