Era uma fotografia a preto e branco, a fotografia de um velho angolano, sentado, cabeça entre as mãos, na entrada de uma cubata perdida em qualquer recanto ignoto. O enquadramento só lhe deixava à vista o rosto levemente pergaminhado, ornado por um olhar tão triste, e tão profundo e que parecia acompanhar-nos fosse qual fosse o ângulo porque abordássemos a fotografia. Aquele olhar mantinha-se, sem revolta, sem ódio, sem esperança. Só tristeza... E a emoldurá-lo aquelas mãos, enormes, impotentes e ociosas pela força das circunstâncias, rudes ao ponto de conferirem a todo o conjunto o aspecto de uma escultura finamente talhada na inapropriadamente rica madeira de ébano. Pareciam deslocadas. Pareciam as mãos de outro que não as do velho, como se uma qualquer alma benfeitora o quisesse ajudar a suportar o peso da velha cabeça e dos desgostos nela encerrados.
Quanto mais olhava para aquela cabeça, para aquelas mãos, mais angústia sentia. No meio de todos aqueles horrores feitos de lágrimas e dos ventres rotundos de crianças perdidas e marcadas pela fome, acarinhadas por não mais que o resignado e silencioso desespero das mulheres que as acompanhavam, o rosto daquele velho pareceu-me o mais pungente epílogo para as acusações contidas nas fotografias daquela improvisada, inapropriada e tristemente ignorada galeria.
Passou-se muito tempo antes que conseguisse desviar os olhos daquela fotografia feita súplica talhada num bloco perpétuo de negro pau...
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